Opisanie Swiata - Verônica Stigger
Imaginação, memórias, viagem
Com um título quase
impronunciável, cuja tradução se descobre ao final (“Descrição do mundo”), o
livro da escritora gaúcha Verônica Stigger (publicado pela editora Sesi-SP, em
2018, com uma capa tão difícil quanto o título), é um convite a uma viagem não
só alucinógena, daquelas que é possível experienciar depois de um baseado, como
também literal, por narrar relações humanas num navio da Europa ao Brasil na
primeira metade do século XX.
A edição é muito
bonita, com imagens ilustrativas de postais ou de anúncios de jornais, e com
páginas em diferentes cores e tonalidades, o que traz alguma leveza e
encantamento ao suporte material.
Imaginação parece não
faltar à Verônica Stigger, pois a capacidade inventiva das ações, do desenrolar
dos processos ou, principalmente, da caracterização dos personagens é
fantástica (ver, por exemplo, p. 101). Essa profusão imaginativa dá margem
também à percepção de ausência de clareza de uma temporalidade específica, pois
se a tônica está pautada nas primeiras décadas do século XX, em determinada
passagem, a narradora/autora refere jogos e brincadeiras típica dos anos 1980
(p. 110). O mesmo vale para outros aspectos: a trama é construída no realismo,
com uma preocupação com o “real”, o verossímel, com altas doses de fantástico e
maravilhoso.
A narrativa não conhece
um único tom e ritmo e tem diferentes narradores, ora em primeira, ora em
terceira pessoa. Com altos e baixos, o leitor vai sendo conduzido e provocado,
de modo que diversos sentimentos podem ser aflorados ao longo da leitura, como
aborrecimento, empolgação, comoção e melancolia.
Teoricamente, dois são
os principais personagens, Opalka e Bopp, que se encontram na Europa às
vésperas da Segunda Guerra Mundial (embora a autora não mencione) e, juntos
viajam ao Brasil para visitar o filho de Opalka que está hospitalizado em fase
terminal, em Manaus. Mas ao longo da trama, surgem diversos personagens e
parece que pequenos contos são costurados à história, sendo que os personagens
Opalka e Bopp quase desaparecem ou são inseridos num esforço de coincidência ou
naturalidade. O que incita a leitura é a curiosidade sobre o possível encontro
entre Opalka e seu filho doente, mas os pequenos contos inseridos, às vezes
parecem sem propósitos claros, como o colocado entre as páginas 81 e 83. De toda forma, a
despreocupação da autora em narrar uma história encerrada em práticas e
comportamentos condizentes com a experiência humana do início do século XX,
permite se divertir com a conjugação de atitudes, sentimentos e relações
afetivas típicas da contemporaneidade.
O modo como a
narradora/autora descreve as características físicas e emocionais dos
personagens, toda vez que aparece um novo sujeito, é absolutamente criativo, mas
parece quebrar a fluidez da narrativa, tornando-se cansativo. Por vezes,
pegava-me distraído e tinha que ler novamente um parágrafo ou uma página
inteira para entender o fluxo. Particularmente, gosto de ir descobrindo o
personagens ao longo da história.
Em toda obra, o
personagem Bopp parece ganhar apreço e admiração da narradora, mas especialmente
no final (p. 146-147). Ele é comunicativo, às vezes inconveniente, metido,
curioso e debochado, e tem ainda uma peculiaridade própria de como os europeus
enxergam os brasileiros: é folgado. Ao longo da narrativa, vai se revelando
sensível e poeta, mas também chato e (sutilmente?) machista (p. 72), homofóbico
e gordofóbico (p. 49).
A mensagem que o livro
parece trazer é a das memórias e dos afetos das relações entre pais e filhos e a própria
obra é dedicada por Stigger a seu pai. Do que é possível concluir também que o
enredo pode ser encarado como as memórias da autora não somente das suas
viagens e descobertas, mas fundamentalmente da sua relação com seu pai.
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