Afirma Pereira – Antonio Tabucchi
Talvez um título interessante para essa resenha
fosse “Nós vivemos a história”.
Em bela edição do Clube
de literatura TAG Curadoria, de agosto de 2020, o livro Afirma Pereira (editora Estação Liberdade, 2020, 160 p.), do escritor italiano Antonio Tabucchi
(1943-2012), aborda aspectos da vida de um jornalista de seção cultural em um
jornal conservador de Lisboa no ano de 1938.
A obra mostra o como e
o quanto nossas escolhas, gostos, preferências e ações, queira-se ou não, são
políticas. Pensar, escrever, buscar compreender as relações humanas e colocar-se
diante de injustiças sociais estão diretamente ligadas ao modo como concebemos a
organização da vida coletiva e do próprio Estado e suas instituições.
A trama envolve um personagem
que vive só, um jornalista experiente chamado Pereira, que assume a seção de
cultura de um jornal intitulado Lisboa
com o propósito de publicar amenidades e efemérides, mas que, aos poucos,
percebe o quanto o trabalho e a vida (para não ser vã) exigem propósito,
comprometimento, posição, especialmente diante do autoritarismo e da violência
do Estado Novo português [“este é um país horrível” (p. 79)]. É a partir da
relação com um jovem e combativo jornalista, Monteiro Rossi, por quem Pereira
no fundo admira e sente um afeto paternal, que o protagonista vai aos poucos –
não sem certo pesar e arrependimento pela sua trajetória descompassada e
insignificante – formulando seu novo “eu” e sua própria capacidade crítica de
perceber que “nós vivemos a história” (p. 76).
Essa vontade do
arrependimento que o protagonista carrega por não ter atribuído um sentido à
vida e aos seus escritos há mais tempo, faz pensar no quanto somos às vezes
conduzidos à acomodação e à aceitação: “não teria sentido ter estudado letras
em Coimbra e ter sempre acreditado que a literatura fosse a coisa mais importante
do mundo, não teria sentido eu dirigir a página cultural desse jornal
vespertino onde não posso expressar minha opinião e onde tenho que publicar
contos do século XIX francês, nada mais teria sentido, e é disso que sinto
necessidade de me arrepender” (p. 92).
No final, fica a
impressão de que o autor, com o seu livro, pretendia construir “um bom livro
para ler, um livro sério, ético, que tratava de problemas fundamentais, um
livro que faria bem à consciência dos leitores” (p. 132).
Escrito e publicado na
Itália em 1994, pode ser compreendido a partir do contexto italiano de então, mas
deixo essa crítica em aberto. E digo que o livro condiz, em muito, com o Brasil
contemporâneo e com as posturas – às vezes inacreditáveis de tão estúpidas – de
determinado grupos e do próprio presidente da nossa frágil república
democrática.
Por fim, gosto muito de
perceber as referências a outros autores/escritores. Antonio Tabucchi faz
referência a Maupassant, Thomas Mann, Fernando Pessoa, Balzac, Alphonse Daudet,
D’Annunzio, entre outros.
Vale a leitura.
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