A ridícula ideia de nunca mais te ver – Rosa Montero
Eu teria abandonado nas
primeiras páginas, mas a fluidez da leitura foi me levando, levando, e, quando
me dei conta estava no fim.
A obra lida com os
enfrentamentos e protagonismos femininos de início do século XX, com a morte,
com a dor da perda, com a experiência do luto e com os dilemas da velhice.
O livro é uma síntese
biográfica da famosa cientista polonesa/francesa Marie Curie, suas descobertas
na radioatividade e seus modos de viver e encarar as próprias relações amorosas.
Porém, sem se apresentar enquanto biografia, e sim enquanto romance, o livro
traça paralelos comparativos entre a vida da personagem e a da própria autora.
Mas eu teria abandonado
a leitura por vários motivos. Mesmo sendo uma ficção e, portanto, sem qualquer
compromisso com uma narrativa com aspiração de verdade, o texto se apresenta
com a pretensão de não ser “uma invenção sobre os fatos” (p. 185). Meu olhar de
historiador ficou incomodado em inúmeras passagens, seja pelos juízos, seja pelo
romantismo excessivo, ou ainda pelo senso comum com o qual expressava e
construía argumentos generalizantes. É uma biografia ficcional, cheia de
suposições, algumas plausíveis, outras anacrônicas. Em vários momentos,
questionei por qual motivo eu ainda lia. Mas a escrita da espanhola Rosa
Monteiro (com os devidos méritos à tradução de Mariana Sanchez) tem suas
qualidades. E a maneira como constrói seu texto, ainda que com elementos
repetidos à exaustão, costurando cotidianos marcados por intensidades de amores,
de trabalhos e de dores, acabou por me deixar preso à leitura.
A escritora tem plena
identificação pessoal com aspectos da personalidade e da trajetória de sua
personagem. Assim, a autora se coloca no texto, assume a narrativa em primeira
pessoa, compara-se em variadas situações, pensa em si, revisita suas obras
anteriores, exemplifica com passagens da sua vida. Parece escrever para
exorcizar sua dor, fruto da perda do marido, tal como fez Marie Curi ao
escrever seu diário, que aliás é colocado na íntegra como anexo ao final do
livro. A autora não esconde o seu encantamento com o diário, de tal modo que no
lugar de “compreender” as ações de Marie Curi, ela tenta “entendê-la”,
colocando-se em seu lugar.
Ao narrar a si mesma,
Rosa Montero está, no fundo, preocupada com a vida na velhice, com o pensamento
na (própria) morte e com as possibilidades de entendimento do suicídio, uma
constante sutilmente mencionada ao longo de todo o texto.
O livro traz uma defesa do feminino/feminismo, mas também apresenta um lamento do sufocamento misógino que marcou e marca nossa história. O feminismo de Rosa Montero é importante, mas de algum modo acaba assumindo a existência de características “natas”/prontas/essenciais que supostamente diferem homens e mulheres. Algumas passagens me incomodaram. Quando menciona a "fragilidade dos homens que todas nós conhecemos", até se entende a crítica, mas é de uma generalização enorme. Em outro momento fala que o "instinto maternal é pulsão poderosa" nas mulheres, o que também é genérico e equivocado, pois o tal instinto não existe, é uma criação cultural do Ocidente, criado justamente para imprimir às mulheres a responsabilidade pela criação dos filhos.
Originalmente escrito
em 2013, a tradução e publicação no Brasil, pela editora Todavia, ocorreu em
2019. A ridícula ideia de nunca mais te
ver é leitura rápida (208 p.) e leve, embora aborde memórias de dores e
amores perdidos.
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