Desnorteio - Paula Fábrio
Uma
escrita num tom memorial, de lembranças fragmentárias; uma escrita não-linear,
de diferentes tempos, de distintos narradores. Melancolia e nostalgia parecem
definir bem a trama e os sentimentos provocados no leitor. Uma leitura não
muito fácil. Existem momentos narrativos fluidos, existem reflexões a exigir
pausas, ponderadas pelas frases curtas, e existem várias camadas de temporalidade
das experiências dos diversos personagens.
Escrito
quase que em tom português de Portugal (“deitar” comida) e com apreciação do
adjetivo “ocre”, o livro com 157 páginas tem capítulos curtos e títulos
sugestivos. Recomecei umas três vezes até engrenar nesse “desnorteio”.
A
história narrada é a da família Oliveira. A autora traça um perfil físico e
psicológico de cada um dos membros dessa família brasileira pobre entre a
primeira e a segunda metade do século XX.
Trata
dos relacionamentos às vezes confusos (do amor ao abuso), da opressão, da
angústia, das dificuldades financeiras, das imprecisões da lucidez, dos
momentos de loucura, da solidão, da tristeza, do aprisionamento emocional, dos
arrependimentos, da piedade, do sofrimento (merecido?) e da morte.
A
impressão que fica durante a leitura é a de que muita coisa não é dita, pode
apenas ser subentendida, pois é dito pela metade, às vezes de forma sutil, com
uma palavra apenas. A incompletude das ideias dá grande margem à imaginação do
leitor.
Ao
final, uma frase define bem tudo que é desenvolvido nas relações entre os
personagens dessa família: “A pobreza, a sujeira, a loucura e a morte” (p.
138).
Tem
algo de bastante deprimente na trama. A leitura causa algum mal estar. “...aqui
não há alegria” (p. 147). As memórias são também os momentos de devaneio na
janela de casa. Quem nunca pensou na vida escorado numa janela?
A
capa do livro é de enorme beleza. Li a segunda edição, de 2019, com produção/impressão
da autora. A obra é de 2012 e ganhou prêmio São Paulo de Literatura em 2013. Paula
Fábrio é doutora em Letras (2020) pela USP.
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