Sul da fronteira, oeste do sol, Haruki Murakami
'Sul da Fronteira, oeste do sol' (Alfaguara, 2020, 232 p.), do badalado autor japonês Haruki Murakami, foi escrito no início dos anos 1990 e agora recebeu tradução de Rita Kohl para o clube TAG em julho de 2020.
Trata de um personagem/narrador (Hajime) em busca do sentido do viver, da completude, do ser pleno, da felicidade nunca alcançada. Assim, a obra aborda a insatisfação humana com a vida presente e com o próprio passado, expresso na valorização do "se" ("se" tivesse sido diferente, "se" fosse aquela decisão, "se" a atitude fosse outra, etc.). Mas o narrador reconhece: "não é meu papel analisar a vastidão de memórias que chamamos de passado e julgar o que é certo ou não" (p. 23).
Mesmo com uma escrita simples, fluida, com frases excessivamente curtas, o livro carrega uma força psicológica capaz de atingir o leitor, apelando a sentimentos e ressentimentos, como o arrependimento por magoar de maneira irreparável (p. 23). Quem nunca magoou alguém? Assim, a narrativa parece lidar com o modo como os seres antecipam sofrimentos, com preocupações (às vezes vãs) com o que pode talvez acontecer. E essa antecipação do futuro, geralmente surpreende a qualquer um pela diferença daquilo que se imagina, no presente.
Na trama, o tormento (quase depressivo) da insatisfação do protagonista diante da vida real (e vale frisar o "real"), faz lembrar a morte como um horizonte de certeza: "sobra apenas o deserto" (p. 85).
O narrador parece atravessar um constante processo de autoconhecimento: quem sou eu? Que escolhas eu faço na vida? E por quê? "Encarei meus olhos no espelho (...). Mas eles não refletiam nada de quem eu era" (p. 115).
O enredo é construído a partir de inúmeras coincidências que envolvem os principais personagens Hajime, Shimamoto, Izuri e Yukiko. O grande enigma é Shimamoto. No seu interior "havia um pequeno mundo isolado, só dela" (p. 148).
É fácil, em algum momento, se identificar com o narrador: "Às vezes eu pensava que me sentiria melhor se conseguisse chorar, mas não sabia pelo que chorar. Por quem chorar. Eu era egoísta demais para chorar por outra pessoa, e velho demais para chorar por mim mesmo" (p. 160).
Pensei o tempo inteiro no trabalho de tradução, no quanto esse processo deve ser difícil e é diretamente responsável pela construção do sentido da narrativa apresentada ao leitor como sendo de Murakami. A tradução está de parabéns. E o posfácio é excelente.
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