Na praia, Ian McEwan


Uma obra enxuta (128 páginas), publicada pela Companhia das Letras (2007, 9ª reimpressão em 2016), mas que impressiona pela boa tradução (Bernardo Carvalho) e, fundamentalmente, pela primorosa narrativa do escritor.
O autor, Ian McEwan, é conhecido pela crítica brasileira; destaco as obras Reparação, Solar, Serena, Enclausurado e o recente A barata.
Na praia trata da relação, de namoro e casamento, entre dois jovens ingleses, Edward e Florence, no início dos anos 1960, em um contexto pós-segunda guerra mundial, marcado pela Guerra Fria, construção do muro de Berlim, início do processo de descolonização das colônias africanas e pelos novos “estímulos, liberdades e modas” (p. 123). Trata da descoberta do corpo e do desejo e dos sentimentos de pessoas que, como Florence, encaram a paixão e o amor não necessariamente vinculadas ao prazer sexual.
Uma obra que trata das diferenças: entre os pensamentos dos jovens namorados, entre concepções de amor, sexo e união; entre os posicionamentos políticos de filhos e pais, entre a vida urbana e a vida rural, entre os aspectos de saúde e doença (mental). Aborda também as imaginações/pensamentos/suposições a respeito dos sentimentos do outro (o que o outro irá pensar se eu fizer ou não fizer...).
Impressiona a capacidade do autor em estabelecer características físicas e psicológicas dos personagens. Ao ler, a vontade é criar uma espécie de quadro ou rede com as descrições das personalidades.
Edward e Florence são jovens de vinte e poucos anos e no decorrer de um ano, namoram, noivam e casam. A trama trata das intenções de cada um, não apenas com o relacionamento, mas com a vida, e, especialmente, das dificuldades ou aversão de Florence em conceber sexo com penetração.
As diferenças entre eles (sociais, econômicas e culturais), impedem o sucesso do casamento já a partir da noite de núpcias em uma praia, trágica, de alguma forma, para ambos. São jovens de gostos, estilos e classes distintas. Edward, formado em história, advém de uma família de “classe média”, uma espécie de “caipira”; Florence, musicista, amante da música clássica, de família abastada, viajou o mundo e hospedou-se nos melhores hotéis. Compartilhavam sentimentos e ambições e aprendiam um com o outro. Amavam-se. Mas casaram sem se conhecer suficientemente, sem discutir antecipadamente suas diferenças e sem amadurecerem possibilidades que rompessem ideias fixas.
Florence é tímida, sente-se livre, guarda ou esconde sentimentos, vivia isolada de si mesma; ainda assim, era confiante, com a qualidade de dominar a concentração absoluta; guardava consigo pretensões de um diferente modo de amar, não sexual; seu objetivo era “amar e deixar o outro livre” (p. 66). As impressões da personagem – no início dos anos 1960 – sobre o sexo podem muito bem, talvez, ainda ser compartilhadas por mulheres contemporaneamente: ela pensava sobre a possibilidade de fingimento em sentir e dar prazer, ao mesmo tempo em que desejava mais carícias na área pubiana (p. 82-83). O certo é que não era carnal, ao contrário, era desprovida de desejo sexual.   
Edward tinha tranquilidade no olhar, era introspectivo, um pouco acanhado e melindroso, mas amável com a família; provinciano, possuía conhecimentos da natureza por sua experiência de vida no campo; podia não confiar em si mesmo, adquirindo rompantes de raiva, sendo às vezes explosivo. Enquanto historiador acreditava que “a diferença entre o passado e o presente era mais importante do que a semelhança” (p. 92).
Por Edward, Florence nutria sentimentos de amor, pena e medo. Por Florence, Edward nutria sentimentos de amor e admiração, cujo reconhecimento chega apenas na sua velhice. O final é melancólico e faz pensar o quanto a falta de paciência ou a moralidade pode restringir ou alterar os caminhos da vida.
A proposta de Florence era a de um casamento aberto, desde que guardado o amor. Edward estaria livre para atos sexuais. Para os anos 1960, uma ideia inovadora e assustadora, que rompia com a “obrigação conjugal” da mulher. Para os dias atuais, uma possibilidade não facilmente descartada, ao menos para os segmentos esclarecidos, questionadores das relações humanas homogêneas e livres de qualquer preconceito.
Um livro para ser relido. Maravilhoso.




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