Caderno de um ausente, João Anzanello Carrascoza
Um livro nostálgico, de
uma sensibilidade poética incrível, capaz de prender o leitor pela beleza das
palavras e expressões bem colocadas. Escrito para emocionar, atinge, no meu
entender, plenamente esse objetivo.
A narrativa fala de
pessoas (pais, mães, filhos, avós), de personalidades, de pensamentos, de
costumes, de sentimentos, de gestos e de lembranças.
É um lamento pela
(futura) ausência, pela morte, pelo fim. Sob o “jugo” do tempo “todos os
caminhos levam ao fim” (p. 35). Assim, o narrador vai tecendo considerações
poéticas sobre a passagem do tempo, a declaração de amor à vida, a história de
cada um, o prazer de estar no mundo e a melancolia de saber que caminhamos para
a morte.
O enredo giro em torno
das reflexões contidas em um caderno/relato/testamento escrito por um pai de
mais de 50 anos para sua filha recém nascida (Beatriz/Bia) [ele já tem outro
filho], alertando sobre tudo que ele gostaria de dizer/ensinar/transmitir a
ela, mas que por motivos óbvios e naturais do tempo (que leva ao fim da vida),
seria impossível.
O narrador diz escrever
à filha “porque já estou te perdendo” (p. 103), por que “eu sou a tua perda
futura” (p. 107). Lamenta, assim, a própria morte. Ele tem consciência de que
as palavras que traz à filha “vão operar mudanças em tua vida” (p. 122). No
entanto, o próprio narrador reconhece que tais palavras “só valem pro momento
em que foram ditas” (p. 112), pois as únicas “que valem pra sempre (...) são
aquelas (...) que anunciam o adeus” (p. 114). Por outro lado, esse caderno,
esse registro a ser lido a posteriori, traz palavras que “dizem também outras
coisas quando enunciam o que enunciam” (p. 66).
Trata, enfim, da ação e
do poder do tempo [“com seu manejo secreto” (p. 60)], da memória [“só
escrevemos sobre aquilo que se encravou em nossa memória” (p. 99)], do silêncio
[somente ele “pode cortar a língua das palavras” (p. 29)]. A reflexão sobre o
silêncio é constante na obra. O que não foi dito pode ser escrito e, assim,
talvez não esquecido.
Com um escrita
peculiar, João Anzanello Carrascoza prefere vírgulas a pontos finais, compondo
frases/períodos longos, mas fluidos.
Meu exemplar ficou todo
sublinhado, assinalado. Selecionei um trecho:
“ainda
que não sinta com intensidade o meu toque, ou que dele te esqueças, porque este
momento já se afoga nas águas do vivido, tu, meses à frente (quem sabe anos),
de olhos fechados, como agora em que dormes no teu berço, sentindo o meu dedo
deslizar pela tua face, serás capaz de dizer – a tua pele a recordará –, este é o meu pai” (p. 80).
Brasileiro, João A.
Carrascoza (1962 - ) é autor de inúmeras obras, muitas das quais foram premiadas.
Um dos últimos livros, "Elegia do irmão” (2019) já entra na minha
lista de futuras leituras.
“Caderno de um ausente”
(editora Alfaguara, 2017) vale demais ser lido.
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